GRE-NAL DE TORCIDA ÚNICA
Brigada Militar se diz incapaz de garantir, no próximo domingo, a segurança dos torcedores colorados nas vias de acesso à Arena. Mas reunião entre Grêmio, Inter e o governo, hoje, pode alterar a decisão – e impedir que, pela primeira vez nos 104 anos de história, o clássico tenha as cores de apenas um dos times.
Em 2002, um torcedor foi morto durante briga de torcidas em Caxias do Sul. A quatro quilômetros do local, outro torcedor morria na explosão de uma bomba caseira. Em 2004, um adolescente foi assassinado por causa de rixa entre organizadas em São Leopoldo. Em 2005, a Brigada Militar usou bombas de gás lacrimogêneo e balas de borracha dentro do estádio, atingindo mulheres, crianças e idosos. Em 2006, torcedores atearam fogo em banheiros químicos. Em 2008, dois torcedores foram baleados durante briga entre torcidas do mesmo time. No final de 2011, um torcedor foi esfaqueado em jogo comemorativo. Na inauguração do novo estádio, nova briga entre integrantes da torcida organizada.
Em 30 de julho de 2013, enfim, a vítima foi a civilidade.
Ao tomar a controversa decisão por Gre-Nal com torcida única no próximo domingo, assumindo não poder garantir segurança à torcida do Inter nas vias de acesso à Arena, a Brigada Militar – com a chancela do Ministério Público (MP) – atesta a incapacidade do Estado e da sociedade para enfrentar a violência no futebol. A corporação afirma que o problema é fora do estádio. Em campo aberto, e devido às ruas estreitas da região, o controle seria mais difícil.
Ainda que a BM não confirme, o incidente do último domingo, quando torcedores do setor da Geral entraram em confronto com policiais militares, e a repercussão da agressão ao Gaúcho da Geral também pesaram na definição. A ausência dos 2 mil colorados que assistiriam ao primeiro clássico na nova casa gremista (a decisão vale apenas para esta partida) é apenas o resultado mais visível de um modelo ineficaz de relação entre autoridades de segurança, clubes e torcidas – sejam elas organizadas ou não.
– Os órgãos de segurança, leia-se a polícia, tornaram-se os únicos interlocutores responsáveis pelo acompanhamento das torcidas, e um monitoramento restrito aos dias de jogo. Uma visão mais ampla tem de considerar o envolvimento da sociedade, a começar pelos clubes, corresponsáveis pela existência das torcidas. Ações que envolvam pessoas das áreas de Serviço Social, Sociologia e Antropologia seriam positivas na mediação de conflitos – aponta Bernardo Buarque de Hollanda, professor da Escola de Ciências Sociais da Fundação Getúlio Vargas.
Autor do livro Para Entender a Violência no Futebol e professor da Universidade Salgado de Oliveira (Universo-RJ), Maurício Murad cobra planos de ação:
– Primeiro, repressão dentro da lei, para pegar os grupos de vândalos. A médio prazo, prevenção: é isso que está faltando, as polícias se integrarem, se articularem com as universidades que têm pesquisas sobre as torcidas, atacar a questão das redes sociais. Depois, políticas de reeducação, mudando a cultura das organizadas, fazendo parcerias para isolar os vândalos.
Em 2012, o Brasil conquistou o nada honroso primeiro lugar no ranking mundial de mortes comprovadamente por conflitos de torcida: foram 23 no total. Noventa por cento dessas mortes, conforme Murad, se deram fora do estádio. Uma estratégia para estancar a violência seria adotar torcida única, já comum na Argentina (veja quadro na página 5).
– No Brasil, começaram em Curitiba, mas logo voltaram da decisão. Em Minas Gerais, não impediu ataques de cruzeirenses a atleticanos, e vice-versa, nas vias de acesso – aponta Buarque de Hollanda.
Na tarde de hoje, às 17h, uma reunião entre representantes da Secretaria da Segurança Pública e da BM e os presidentes Fábio Koff e Giovanni Luigi pode mudar o rumo do Gre-Nal. Após a repercussão da decisão por torcida única, a Brigada aguarda medidas de Inter e Grêmio para avaliar uma mudança de posição.
– Vamos verificar se os clubes têm algum fato novo que possa fazer a BM reverter essa decisão, sempre pensando na segurança de todos – afirmou o coronel Silanus Mello, subcomandante geral da corporação.
Pode ser a última chance para que o azul volte a ficar um pouco mais perto do vermelho. E vice-versa.
PEDRO MOREIRA

Colorados pretendem ingressar na Justiça
Caso a orientação da Brigada Militar de Gre-Nal com torcida única seja mantida, um grupo de pelo menos 400 colorados ingressará na Justiça – contra o Grêmio.
Na ação cautelar coletiva, os torcedores do Inter alegarão que a direção gremista estará descumprindo o Estatuto do Torcedor e o regulamento do Brasileirão se não colocar os bilhetes à venda para os colorados a partir de hoje, três dias úteis antes do clássico. Eles pedirão 1% da carga de ingressos (600 unidades).
– Nossa ação será contra o Grêmio porque eles não estão impedidos de vender ingressos para a torcida do Inter. Como não há segurança para o clássico? Então o Grêmio jamais poderá receber um jogo grande na Arena, contra um time de massa? A Geral briga e nós, colorados, seremos os punidos? Por quê? – questiona André Flores, um dos autores da ação.
Segundo Flores, há muitos gremistas apoiando tal medida, pois temem que um precedente seja aberto com o Gre-Nal de apenas uma torcida:
– Se essa determinação de apenas uma torcida for mantida, o Gre-Nal estará mudado para sempre. Isso é grave. Estamos lutando contra um futuro nebuloso.
Além da ação judicial, que pretende obrigar o Grêmio a vender ingressos ao menos para os colorados autores da ação, Flores avisa que o grupo quer encaminhar a denúncia ao STJD.
– Não temos medo de ir à Arena, mesmo que a Brigada Militar não garanta a segurança. Queremos, sim, assistir ao Gre-Nal. É direito nosso poder ver o Inter no clássico.
LEANDRO BEHS
DIOGO OLIVIER
Derrota histórica
Não condeno a decisão da BM. Sei que é quase assinar a rendição para os fascistas do futebol, mas prefiro isso a colocar em risco crianças e cidadãos saudáveis. E se uma briga destas se generaliza e sai dos guetos onde sempre começa? E se gremistas e colorados se pegam no entorno da Arena com famílias inteiras circulando? Porque é assim nos estádios padrão Fifa: as pessoas andam livremente por todos os cantos.
Sem falar que ao lado tem o Trensurb, velha zona de guerra da imbecilidade, inclusive com histórico de depredações ao patrimônio público. Dá saudade daqueles Gre-Nais de duas torcidas, metade vermelha, metade azul, em que o sujeito podia até errar o portão. Ele teria a mãe aclamada, talvez até tomasse banho com líquido amarelado suspeito, mas chegaria são e salvo ao seu local no estádio. Hoje, seguiria direto para o hospital ou cemitério.
O Gre-Nal de torcida única seria derrota histórica. Um soco na boca do estômago da civilidade. Mesmo que seja revertida, a sugestão da BM deve motivar debate sério, capaz de nos fazer virar o jogo contra a violência, quem sabe com os próprios clubes punindo seus arruaceiros em vez de lavar as mãos e atirar tudo nas costas dos órgãos de segurança.
Caiu um butiá do bolso aqui
Só 10% de espaço para a torcida adversária, como manda a lei, e menos do que isso, como vem sendo praticado há algum tempo, já não é quase torcida única mesmo? Não entendo o motivo para tanto discurso magnânimo agora.
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