segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

FUTEBOL COM LEI


Violência ganha voz de prisão - FRANCISCO AMORIM

O fato de a Justiça decretar prisão preventiva de um torcedor acusado de tentativa de homicídio e formação de quadrilha representa grande avanço contra a violência nos estádios, como admitem especialistas.

A decretação da prisão do ex-líder de torcida Jorge Roberto Gomes Martins, o Hierro, parece ser uma resposta das autoridades gaúchas à violência nas arquibancadas dentro dos estádios.

Mais do que retirar das ruas um réu suspeito de ameaçar testemunhas, a decisão da juíza da 2ª Vara do Júri Elaine Maria Canto da Fonseca tem caráter pedagógico.

Autor do pedido de prisão preventiva feito ao Judiciário no dia 29, o promotor Júlio César Melo está convicto de que apenas ações rigorosas do poder público podem inibir a ação de grupos marginais nas arquibancadas. Para ele, além de proteger uma testemunha e a própria vítima, um jovem de 20 anos que teve o punho esquerdo dilacerado por uma facada, a prisão de Hierro interrompe uma trajetória que servia de mau exemplo a outros torcedores:

– O torcedor ordeiro não pode ser compelido a conviver com criminosos.

Em sua denúncia, o promotor explicou que a briga ocorrida no dia 7, durante a partida de despedida do jogador Fabiano no Beira-Rio, teve como pano de fundo a disputa por benefícios entre duas torcidas coloradas.

– Isso não é torcedor. Integrantes desses grupos se aproveitam da possibilidade de entrar no estádio com faixas, bandeiras e instrumentos musicais para irem armados – argumenta.

A mão pesada sobre quem transforma arquibancada em ringue é apontada como caminho mais curto para a redução das brigas e dos atos de vandalismos envolvendo grupos organizados. Segundo o psiquiatra forense, Rogério Cardoso, a falta de limites pode ser um estímulo à prática de crimes para maior parte das pessoas.

– Vale esse esforço, pois há uma grande parcela da população que é suscetível ao impacto de uma punição – explica.

Conforme Cardoso, no entanto, há casos em que medidas alternativas, como a proibição da entrada nos estádios não tem resultado significativo:

– É o caso daquelas pessoas com histórico de serem violentas. Brigavam no colégio e agora brigam no futebol, no trânsito, no trabalho. Para eles, medidas alternativas não funcionam, eles não se controlam.

Responsável pelo indiciamento de 13 torcedores da dupla Gre-Nal envolvidos na morte de um torcedor colorado no município de São Leopoldo em 2004, o delegado Heliomar Franco defende que grupos de torcedores envolvidos em crimes comuns devam responder também por formação de quadrilha.

– Esses líderes de torcida, geralmente mais velhos, acabam servindo de mau exemplo para jovens que desejam participar de grupos. Muitas vezes, acabam se envolvendo em crimes para serem respeitados pelos demais – explica o delegado.

Apesar de o Estatuto do Torcedor ter imposto restrições à conduta das torcidas organizadas, o procurador de Justiça Marcelo Roberto Ribeiro, que atua na 2ª Câmara Criminal, pensa que a punição é tímida.

– O futebol é muito popular e, por isso mesmo, a violência devia ser banida dentro e fora do campo. Não é possível que crianças e mulheres entrem num estádio e estejam sujeitas a agressões de maus torcedores – ponderou.

O professor de Direito Penal da Pontifícia Universidade Católica (PUCRS) Rafael Canterji ressalta que a prevenção da violência nos estádios é responsabilidade de cconfederações, clubes e do próprio torcedor.

– Diante da ocorrência de crime o Estado deve reagir. Tanto durante o processo, quanto na pena.

Ex-líder de torcida está foragido - LEANDRO BEHS

A prisão de Hierro pode se dar ainda hoje. Com o indiciamento por tentativa de homicídio, formação de quadrilha e por promover tumulto, praticar ou incitar a violência, e com a prisão preventiva decretada, o torcedor não se apresentou à polícia nem respondeu às tentativas de contato da 20ª DP, responsável pelo caso. É considerado foragido.

Segundo informações que chegaram à delegada Sílvia Regina Coccaro de Souza, Hierro estaria em Santa Catarina, na praia do Rosa, trabalhando em uma boate de um líder de torcida argentina.

Após realizar três diligências em Porto Alegre, uma na casa de Hierro, no bairro São José, outra na casa de um ex-segurança do torcedor, e a terceira na casa de um menor, que também estaria envolvido nos incidentes do último dia 7, no Beira-Rio, a delegada Sílvia Regina e mais quatro agentes que a acompanhavam não encontraram o rapaz.

A delegada Sílvia Regina encaminhou à polícia catarinense o pedido de prisão de Hierro. Porém, como Santa Catarina não possui uma delegacia de capturas, é possível que haja alguma dificuldade na prisão do torcedor – caso ele realmente esteja no Estado vizinho. Desde ontem, o nome e a foto de Hierro constam do sistema de procurados da Secretaria de Segurança Pública.

– Não pouparemos esforços para localizá-lo. Não acredito que ele se apresentará – comentou a delegada Sílvia.

Mesmo assim, agentes da 20ª DP farão hoje novas diligências na Capital. Na quarta-feira, Hierro atendeu ao telefonema de ZH, assegurou que não fugiria e que já havia retornado a Porto Alegre para se apresentar à polícia.

Na quarta-feira, a denúncia contra Hierro, Ranieri Tafernaberri Cardozo, o Maninho, e Rodrigo Cesar Candria Borges, o Bodão, foi aceita pela juíza Elaine Maria Canto da Fonseca, da 2ª Vara do Júri de Porto Alegre. Os três responderão pelos crimes de tentativa de homicídio, formação de quadrilha e por promover tumulto, praticar ou incitar a violência, mas apenas Hierro teve a prisão preventiva decretada. Também estão proibidos de comparecer a jogos do Inter.

Hierro disse a ZH, em entrevista publicada no dia 23 de dezembro, que já respondeu a 25 processos. Foi condenado em apenas um deles, à revelia, por não ter sido encontrado pela Justiça – do qual já recorreu.

Procura-se o Taylor brasileiro - LUIZ ZINI PIRES

Futebol é assunto de família. Na mesa de jantar e na sala da TV, pai, mãe e filhos tratam pênaltis e impedimentos como assunto próprio. A discussão fica trancada em quatro paredes. Não sobe as arquibancadas. A família não frequenta estádio, apenas alguns dos seus integrantes, o que deixa a mãe (e as crianças) em casa. Ela preocupada com a segurança de todos, a gurizada chorando por não poder acompanhar os mais experientes.

A ausência da família é observada no borderô dos velhos estádios brasileiros. O Inter teve 18.188 espectadores por jogo no Brasileirão 2011. Grêmio, 15.809. A média é pobre. É a nossa imagem.

O gaúcho será atraído outra vez aos gramados com a chegada da Arena e do novo Beira-Rio. O futebol vai alcançar o Século 21 nos próximos dois anos – o Brasil ainda terá mais 11 estádios com a Copa do Mundo de 2014. Haverá conforto, bons bares, cadeiras numeradas, banheiros de hotel estrelado. Ir aos jogos será um programa legal e popular, tenha você oito ou 80 anos.

O exemplo é inglês. Quando morreram quase 100 pessoas numa partida, nos anos 1980, políticos e dirigentes de futebol confeccionaram um novo projeto de vida chamado Relatório Taylor. O futebol inglês encontrou sua fonte da juventude. Renasceu organizado e seguro e sem ferir o futebol que, pelo contrário, virou entretenimento com competitividade. O trabalho foi liderado por um juiz, Peter Taylor. Precisamos de um Taylor made in Brasil, de alguém que proteja nosso real torcedor.


Os três indiciamentos

TENTATIVA DE HOMICÍDIO - Suspeitos de esfaquearem um jovem de 20 anos, Hierro e colegas de torcida podem ser sentenciados a penas entre 10 e 20 anos, previstas no artigo 121 do Código Penal. A denúncia foi duplamente qualificada: por motivo fútil e por ter sido cometido sem chance de defesa à vítima.

FORMAÇÃO DE QUADRILHA - O grupo formado por pelo menos cinco homens, dois deles identificados apenas por apelidos, responderá também pelo crime de formação de quadrilha. Segundo o Código Penal, poderão ser condenados a penas que variam entre dois a seis anos por terem se associados na agressão.

PROMOÇÃO DE TUMULTO - O tumulto provocado, segundo a polícia, por Hierro e seus colegas, na partida festiva pode levá-los a uma condenação de um a dois anos de prisão. A pena está prevista no artigo 41-B do Estatuto do Torcedor. Se condenados pelos três crimes, a pena pode chegar a 28 anos.