domingo, 1 de março de 2015

UM GRENAL CONTRA O HOLIGANISMO




ZERO HORA 01 de março de 2015 | N° 18088


LEANDRO BEHS


GRE-NAL 404


Amigos reunidos outra vez, pais e filhos juntos no estádio, irmãos lado a lado, casais de mãos dadas, com suas camisetas azuis e vermelhas. O Gre-Nal 404 terá algo de retomada dos tempos românticos. Eles serão uma ilha. Apenas mil colorados e mil gremistas em uma parte da arquibancada, mas que poderão fazer história e mudar os rumos do clássico gaúcho, resgatando o convívio entre diferentes e a civilidade.

– Não faz sentido eu ir com o meu marido até a porta do estádio, dar um beijo e me despedir dele porque não podemos sentar lado a lado e torcer para times diferentes. Ir disfarçada em uma festa como o Gre-Nal é absurdo. Tomara que tudo dê certo e a torcida mista se expanda para todo o estádio – pondera a colorada e professora de inglês Diéssi Marcico de Souza, 31 anos.

Diéssi comprou um dos últimos bilhetes para a área mista. Pela primeira vez, poderá irá ao clássico com o marido, o gremista e advogado Hugo Motta, 31. O casal, que apesar do entusiasmo acredita em empate neste domingo, esteve apenas uma vez em um Gre-Nal. No Beira-Rio. Diéssi, fardada, foi com os pais na superior. Hugo, à paisana, ficou na inferior, em meio aos colorados.

– Foi uma sensação horrível. Ainda perdemos o jogo. Dessa vez, vou ao Beira-Rio com a camisa do Grêmio e para torcer e comemorar os gols do meu time – diz Hugo. – Faremos o Caminho do Gol e levarei apenas a camisa do Grêmio. Não acredito que terei problemas andando entre os colorados. Tenho certeza de que teremos um clima de cordialidade – aposta o gremista.

IRMÃS QUEREM FAZER UM FESTIVAL DE SELFIES

Na casa dos Garcias Nunes, o ineditismo do clássico empolga as irmãs Laura, 23, e Sofia, 12. A primogênita, colorada e advogada, correu para conseguir o “bilhete premiado”, quase um passe para a Fantástica Fábrica de Chocolates, de Willy Wonka. Sorrisão que parece não caber em um só rosto, a tricolor Sofia comemora a primeira vez na mesma arquibancada com Laura. E podendo torcer para o time do coração.

– Estou muito, muito, muito feliz de ir com a Laura ao Gre-Nal. Já fui a Gre-Nal, mas nunca no Beira-Rio, nem com ela. Faremos um festival de selfies – vibra a caçula, aluna da sétima série do Colégio Israelita.

Laura frequenta o Beira-Rio desde 2009, quando se associou ao Inter. É acostumada ao estádio. Porém, nem isto a livrará de fazer um minuto a minuto pelo telefone para a mãe, Maria Izabel.

– Vamos ter que avisar o tempo todo: na chegada ao estádio, intervalo, fim de jogo e na saída. Ela está preocupada, mas eu disse para a mãe que será uma tranquilidade só na arquibancada mista – conta Laura.

Como deve ser entre irmãos, as gurias discordam do resultado e acreditam em um 2 a 1. No caso, o mesmo placar para cada um de seus times.

GENRO FAZ AGRADOE LEVARÁ SEU SOGRO

Será o Gre-Nal também dos genros e dos sogros. De Canoas, o colorado Richard Alvarenga, 42, trará o gremista (e pai da Marcela, mulher do Richard) Evaldo Migliavacca, 64. Veterano em Gre-Nais, o microempresário frequenta o clássico desde os anos 60. Como Migliavacca iria ao jogo de qualquer maneira, “até na geral do Inter”, o genro decidiu fazer um agrado e levá-lo ao Beira-Rio.

– Já fui duas vezes com ele a Gre-Nais no Olímpico. No meio deles, de camisa branca e mudo. Agora, ele vai conhecer o novo Beira-Rio. E, felizmente, poderá vestir a camisa do Grêmio – lembra Richard.

Apesar da confiança em uma partida sem incidentes, o colorado gostaria que o gremista fosse com uma camisa branca, pelo Caminho do Gol, até chegar à arquibancada. Foi contrariado por Evaldo, que promete sair de casa já com o “manto tricolor”.

– Esse jogo será fundamental para que as torcidas voltem a conviver. Vou com a minha camisa do Grêmio, dos anos 90 mesmo. Se eu apanhar, espero que o Richard seja solidário e apanhe junto – diverte-se o sogro. – Mas nada acontecerá – finaliza.

MANOS JUNTOS PARA HOMENAGEAR O PAI

Para os irmãos Brenner Pereira Ferrão, 33, e Fábio Toledo Ferrão, 38, o clássico será uma espécie de homenagem ao pai. Breno Borges Ferrão morreu em 2012, aos 75 anos. Era colorado, como Brenner, e sempre quis ver os guris juntos no estádio. Não conseguiu. Agora, realizará o sonho da família.

– Pensei que o pai gostaria de nos ver no estádio, mesmo sendo um colorado e outro gremista. Pensei nele na hora de comprar o ingresso – recorda o colorado Brenner, nascido em Belo Horizonte.

– Não tinha como dizer não para um convite destes. Mesmo que o meu time esteja em um momento ruim – relata o gremista Fábio.

A gerente da Central de Atendimento ao Sócio do Inter, Angélica Danoski, entusiasta da torcida mista, já se divertiu antes mesmo do clássico. Ao comprar o ingresso, o sócio colorado precisava preencher um termo de compromisso, com regras de comportamento. No verso da folha, era solicitada a matrícula do associado, o grau de parentesco (ou de amizade) com o convidado, além de justificar o que motivou a escolha. E há pérolas, como a explicação de um pai colorado ao levar o filho gremista:

– É meu filho, mas é gremista doente. Vou trazê-lo para dar um remédio. Para ele sair do Beira-Rio bem tratado.

Ou esta, da mulher para o marido:

– É gremista, mas amo ele mesmo assim.

Será um domingo de arquibancada dividida entre azuis e vermelhos, como nos velhos tempos, quando exercíamos a camaradagem. Quando saíamos do clássico tocando e aceitando a flauta. Sem brigas. Quando ninguém pensava em fechar o estádio para apenas uma torcida. O futuro do Gre-Nal passa pelo setor misto.

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