segunda-feira, 5 de maio de 2014

ORGANIZADAS NA PRIVADA


ZH 05/05/2014 | 08h49 - Opinião

DE FORA DA ÁREA

por Paulo Germano, repórter de ZH



Tijolo, barra de ferro, arma de fogo, faca, sinalizador de navio, tudo isso ajudou a matar 234 pessoas que, entre 1988 e 2013, sucumbiram à violência das torcidas brasileiras — uma média superior a nove mortes por ano, conforme levantamento do jornal esportivo Lance!. Em 2014, pedras e punhais parecem fora de moda: a novidade, agora, é matar com vaso sanitário.

Na sexta-feira passada, Paulo Ricardo Gomes da Silva, um soldador da periferia de Recife, morreu aos 26 anos depois que torcedores do Santa Cruz-PE, minutos após o fim da partida contra o Paraná, arrancaram duas privadas do banheiro e as arremessaram para fora do estádio. Lá embaixo, na calçada, integrantes da torcida organizada Fúria, do Paraná, deixavam o Arruda escoltados pela Polícia Militar. Uma das peças de cerâmica se espatifou na cabeça de Paulo Ricardo, que era, na verdade, membro de uma organizada do Sport, clube rival do Santa Cruz em Recife.

Importante que o leitor entenda: a Torcida Jovem, do Sport, é aliada da Fúria, do Paraná. Por isso, Paulo Ricardo e seus amigos rubro-negros receberam os visitantes na capital pernambucana, ofereceram churrasco, cerveja e proteção contra possíveis ataques de torcedores do Santa Cruz — que, por sua vez, são aliados da Império Alviverde, principal organizada do Coritiba, rival do Paraná.

No país inteiro, organizadas de médio e grande porte mantêm parcerias com torcidas de outros estados: um dos objetivos maiores é garantir apoio em confrontos contra grupos adversários. Em Porto Alegre, em junho de 2012, antes de um jogo entre Grêmio e Flamengo, eu cobria como repórter a movimentação da torcida Geral no antigo Bar dos Borrachos, nos arredores do Olímpico. Lá pelas tantas, um táxi que levava uma mulher, um menininho — de, no máximo, sete anos — e um rapaz com a camisa do Flamengo cruzou a frente do boteco e parou no sinal vermelho.

Cerca de 15 gremistas, furibundos porque as organizadas do Flamengo são coligadas às do Inter, destruíram o táxi com tijoladas e voadoras e, após quebrar o para-brisa traseiro, encheram de socos a cara do flamenguista. Quando o sinal abriu, o taxista arrancou desesperado, para decepção de um dos brigões:

— Aaaah, tinha que ter matado!

No dia seguinte, telefonei para o líder de uma organizada do Inter.

— Não vou ser hipócrita: teríamos feito o mesmo se o passageiro usasse camisa do Palmeiras — ele disse, pedindo sigilo de identidade e lembrando que os palmeirenses têm apoio das torcidas do Grêmio.

Como se vê, a violência das torcidas atravessa fronteiras, não tem bairrismo, é disseminada. Muitos dizem que as organizadas são responsáveis pela beleza do espetáculo e que, por isso, não podem ser extintas. Honestamente, eu quero que a beleza se exploda. Quero que enfiem a beleza em um vaso sanitário e levem-no para casa, antes que outra privada desmanche a cabeça de mais alguém.

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