sábado, 5 de abril de 2014

CONDUTA DISCRIMINATÓRIA


ZERO HORA 05 de abril de 2014 | N° 17754

ARTIGOS

por Luiz Carlos Mabilde*




A cada nova edição de conduta discriminatória (CD) nos estádios de futebol, mais pessoas (chocadas) indagam umas às outras e às autoridades se tais fatos não deixarão de ocorrer. A CD envolve agressão, sofrimento mental e pode adquirir grande magnitude. Apesar disso, repetem-se atos de intolerância, ódio irracional ou aversão a outras pessoas, por razões étnicas, religiosas, culturais, sexuais e tantas outras.

Trata-se de uma atitude preconceituosa, pois é consequente a uma ideia formada sem contestação, fundamento sério ou reflexão que a justifique. Ela começa pela influência da família, cresce nas escolas, clubes e ruas, fortalece-se nas instituições, estádios e partidos; finalmente, estrutura-se nas cidades e países. Algumas constatações agravam ainda mais o problema: todos discriminam, não havendo período da História isento de CD e, o que é pior, ela parece imperturbável.

Freud buscou outros fatores para melhor compreender o padrão cultural preconceituoso e sua inalterabilidade. Encontrou-os na própria personalidade humana. De início, entendeu que o narcisismo imporia um isolamento pessoal ou grupal dos outros por não tolerar diferenças. Depois, percebendo a agressividade intrínseca ao homem, Freud afirmou: “O homem é o lobo do homem”, na medida em que o próximo é alguém que o tenta a satisfazer toda sua agressividade. Bastam os seguintes exemplos: as invasões dos hunos, dos mongóis, dos cruzados e o holocausto perpetrado na última guerra mundial.

O fenômeno apocalíptico – como ideologia profunda da personalidade – completaria a equação causal da CD. O apocalipse é uma visão do mundo e de seu final. Um julgamento. Uma crença de que os inimigos de um povo seriam erradicados pelos anjos bons do céu, restando na terra apenas os justos. Assim, o esquema apocalíptico contém ideias patológicas de destruição selvagem dos outros e de renascimento messiânico de um só grupo, o que inevitavelmente evoca a CD, na proporção cabível para cada evento estudado.

Não parece haver fórmula mágica para erradicar a CD como parte do comportamento humano. Encará-la como produto do preconceito associado a um distúrbio mental seria, além do enquadramento penal, outra forma de inibi-la. Do contrário, seguiremos assistindo a sua prática em estádios e guerras, assim como a sua negação. Todo dia se vê alguém autodenominar-se isento de discriminações ou criticá-las fortemente, porém, ao exortá-las, apontar alguma particularidade discriminativa do outro, ao invés de simplesmente não fazê-lo.

*PSIQUIATRA E PSICANALISTA

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