sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

MISTURA EXPLOSIVA



Vandalismo durante apuração dos desfiles em São Paulo pode ter sido planejado por diretores de quatro escolas e mostra que juntar carnaval com torcida organizada de futebol não dá certo. Rodrigo Cardoso - REVISTA ISTO É, N° Edição: 2207, 24.Fev.12 - 21:11

O Carnaval é a época em que o clima de festa e a alegria tomam conta de todos. Este ano, porém, a folia paulistana contrariou essa tradição. Dois dias depois do animado desfile das escolas de samba do grupo especial, a apuração que definiria a agremiação campeã transformou o palco do samba de São Paulo, o sambódromo do Anhembi, numa arena de guerra, com troca de insultos, briga e fogo ateado em um carro alegórico.

O tumulto começou quando integrantes de algumas escolas derrubaram as grades que os separavam do lugar reservado para os jurados e rasgaram os papéis com as notas que seriam anunciadas. O episódio deplorável foi agravado por uma particularidade do Carnaval paulistano: a participação de torcidas organizadas de futebol nos desfiles. Acompanhando em peso a apuração no sambódromo, integrantes da Gaviões da Fiel invadiram a área restrita aos dirigentes das agremiações. Ao deixarem o local, chutaram grades e muros do Anhembi, fecharam ruas paralisando o trânsito e, suspeita-se, teriam atirado um coquetel molotov que culminou com o incêndio de um carro alegórico da Pérola Negra estacionado na dispersão. “As escolas de samba ligadas às torcidas de futebol levaram para o Carnaval o público baderneiro dos estádios. Juntos, Carnaval e essas torcidas não combinam”, diz o procurador de Justiça Fernando Capez, hoje deputado estadual, que combateu a violência das torcidas organizadas.

Bate-bocas entre dirigentes sempre marcaram a disputa do Carnaval tanto quanto os surdos da bateria. Mas as diferenças, até um tempo atrás, eram resolvidas entre eles, não se transformavam em caso de polícia, como agora. Primeiro a invadir e rasgar as notas dos jurados, Tiago Ciro Tadeu Faria, 29 anos, integrante da Império da Casa Verde – que tinha passagem pela polícia –, e Cauê Santos Ferreira, 20, torcedor da Gaviões da Fiel, foram detidos na hora da confusão e irão responder pelos crimes de supressão de documento e depredação do patrimônio público. À frente da investigação, o delegado da Delegacia de Atendimento ao Turista (Deatur), Osvaldo Nico Gonçalves, afirma que pelo menos quatro escolas planejaram “melar” a apuração minutos antes da invasão de Faria por causa da troca de dois jurados ocorrida um dia antes do início dos desfiles. Segundo ele, outras pessoas devem ser indiciadas pelos mesmos crimes. Na quinta-feira 23, foi o que aconteceu com Alexandre Salomão, integrante da escola de samba Camisa Verde e Branco, após ser ouvido pela polícia.
“Hoje, há um problema da presença da torcida de futebol na arquibancada. A discussão supostamente inofensiva dos dirigentes acaba inflando o público que não foge de uma briga e a combinação dá nisso aí”, diz o delegado Nico. Atualmente, há oito agremiações ligadas às torcidas de futebol em São Paulo (leia abaixo). Sambistas antigos e diretores de escolas tradicionais calculam que, em seis anos, é possível que metade das 14 agremiações do grupo principal tenha ligações com as organizadas. “Muitas escolas tradicionais aceitam as agremiações vindas das torcidas, embora não gostem da presença delas porque o Carnaval vira estádio de futebol”, diz o diretor de uma escola do Grupo 1.

Para que a baderna da apuração não se repita, a prefeitura já anunciou que responderá também pela segurança da área onde ocorre a divulgação das notas – este ano ela cuidou da segurança do público na arquibancada –, bem como do credenciamento de acesso dos dirigentes, tarefas até então da Liga das Escolas de Samba. Para o delegado Nico, a apuração deve ocorrer em local fechado, em dia útil, sem acesso a torcedores e com a presença de dois diretores de cada escola. “É melhor que não tenha torcida. Não adianta a gente ir lá gritar”, admite Marcos Ferreira, presidente da Torcida Mancha Alviverde, que prefere assistir à apuração na quadra da escola. “O episódio deste ano piorou nossa imagem, que já não era boa, perante a sociedade.” O presidente da Liga, Paulo Sérgio Ferreira, admitiu que o modelo atual é ultrapassado. Mas faz uma ressalva: “Os dirigentes também precisam se comportar como autoridades de escolas de samba e parar de agir como gente briguenta de torcida organizada”. Mais diversão e menos rivalidade no Carnaval pode dar samba.